UNIVERSIDADE REFÉM
- Alipio DeSousa
- 27 de mar. de 2008
- 3 min de leitura
Alípio de Sousa Filho
“Se a universidade baixa de nível, a sociedade e o Estado naufragam com ela.”
Karl Jaspers, Ensaios filosóficos.

A universidade está refém. Não retornamos às aulas porque estamos reféns. Reféns de governantes atrapalhados, que, mesmo tendo o poder e as condições de exercê-lo, adotam medidas autoritárias ou anunciam medidas estapafúrdias e inócuas, desmoralizando-se inutilmente. Reféns da farsa do corporativismo, que conta com a estranha cumplicidade de todo um segmento atuante da universidade, e que é, com efeito, o segredo do sucesso de diversas greves nas universidades. Reféns de uma direção sindical populista-autoritária, ainda que se apresente como democrática, e de um sindicalismo dogmático, cuja doutrina não reconhece as diferenças existentes entre o trabalho de produção e ensino da ciência e outros trabalhos na sociedade. Reféns de orientações políticas que ignoram o que são a universidade e a ciência e que nutrem ódios ao trabalho intelectual e ao pensar que se manifestam de muitas maneiras e renovadamente.
Entrando no jogo do enfrentamento político mantido pelos que dirigem a greve, o governo tem deixado de tratar as reivindicações dos professores como deve, buscando alternativas e chegando a resultados aceitáveis, abrindo possibilidades de encerramento do movimento pela via do entendimento e não pela via da força pura e simples. Adotando a via do confronto, o governo torna a universidade refém de medidas cujo único efeito é prolongar a greve interminavelmente e desgastar o exercício da governabilidade – o que certamente não interessa a ninguém.
Por sua vez, com o silêncio cúmplice de todo um segmento atuante, a farsa do corporativismo torna a universidade refém de uma falácia: o trabalho realizado por todos é bom, é igual e merece remuneração igual. Ora, como se sabe, nessa farsa, esconde-se o mau trabalho existente nas universidades, e todas elas: que vai do mau professor em sala de aula ao professor que passa todos os seus anos de trabalho sem produzir o que quer que seja, passando pelo professor dedicação exclusiva que não desenvolve atividades compatíveis com o seu contrato, embora receba salários para isso. É essa farsa que transforma toda crítica à improdutividade e ao mau trabalho, no ensino e na pesquisa, em “atentado à corporação universitária”. O sucesso da adesão massiva às greves é, de fato, o sucesso de uma adesão oportunista e passiva por parte de uma maioria que se esconde na farsa corporativista, mas que não admite ser avaliada no que faz.
A direção sindical, de maneira populista, atuando sobre o oportunismo e a passividade já referidos, não se determina a outra coisa que senão sustentar uma retórica vazia, já inteiramente separada das razões iniciais da greve. O resultado é que incorpora um corporativismo acrítico e bárbaro, sem propor um outro caminho para o movimento, o que lhe caberia fazer enquanto direção – mas denomina isso de democracia (sic.). Faz de suas as razões de uma farsa corporativista bárbara que ameaça a universidade naquilo que ela realiza de mais importante: sua ocupação com o saber. Efeitos também dos dogmas de uma cultura sindicalista que se põe contra o princípio da justa remuneração do saber, em nome de um igualitarismo infundado, tornando a universidade refém de uma concepção do trabalho inteiramente estranha à natureza do trabalho intelectual e científico. Explica-se assim a razão da oposição à chamada Gratificação de Estímulo à Docência (GED): um princípio igualitarista que propõe salários iguais para trabalhos desiguais e que propala que remunerações específicas para trabalhos desiguais e conforme titulação diferenciada constituem mecanismo de quebra da “isonomia” anteriormente existente. Ora, a quem interessa essa velha isonomia? Sabe-se, trata-se de dogmática de orientações políticas que confundem diferença com desigualdade, e que crêem num igualitarismo coletivista (muito parecido com um socialismo que se provou totalitário). Não sabem que a remuneração diferenciada é reconhecimento legítimo do desempenho diferenciado entre professores.
Fossem apenas certas políticas dos governantes e certas ações de parcelas dos professores poderíamos crer que tudo estaria perdido, mas uma chama de esperança e a confiança no trabalho de colegas espalhados por todo o país tornam possível acreditar que deixaremos de ser reféns e que conseguiremos manter existindo as universidades e os ideais pelos quais se orientam – sem os quais, aliás, nossa sociedade estará perdida.
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Publicado EM SOUSA FILHO, A. . Universidade refém. Diário de Natal, NataL, v. 1, p. 2 - 2, 20 nov. 2001.
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