POLÍTICA E CUIDADO DE SI
- Alipio DeSousa
- 18 de mai. de 2012
- 3 min de leitura
Alípio de Sousa Filho, professor do Departamento de Ciências Sociais da UFRN. Doutor em Sociologia pela Sorbonne-Paris V.

Cada vez mais, para a análise da esfera política no Brasil, um tema necessita ser introduzido: a ética do cuidado de si. O tema foi desenvolvido pelos filósofos gregos e romanos antigos e, na contemporaneidade, foi retomado pelo filósofo francês Michel Foucault. O que é o cuidado de si? É o cuidar de si mesmo, por meio de exercícios aplicáveis a si e através dos quais se procura a elaboração subjetiva ético-moral, a fazer que se atinja um modo de ser próprio. Este que pode ser, por escolha ética, um modo de ser comparável a uma obra de arte: virtuoso, esmerado, belo. Não é o que vemos em bom número de nossos agentes políticos públicos.
Por que o cuidado de si deve ser assunto da política? O cuidado de si é ético e político em si mesmo, pois implica as relações do indivíduo com outros, com o público, com a sociedade. O cuidado de si é também uma maneira de cuidar dos outros. Para filósofos como Platão e Aristóteles, no cuidado de si como cuidado dos outros residia a arte de governar: governo de si e governo político da sociedade. Para Michel Foucault, com esse entendimento, um saber se funda: “não se deve passar o cuidado dos outros na frente do cuidado de si. O cuidado de si vem eticamente em primeiro lugar, na medida em que a relação consigo mesmo é ontologicamente primária”.
No caso de bom número de nossos agentes políticos públicos, o assunto se aplica, e de duas maneiras: na constatação de que lhes falta o cuidado de si (ou mesmo que o desprezam) e como apelo para que o pratiquem, se desejam o reconhecimento autêntico da representação e do governo políticos, ainda que seja somente por certos setores da sociedade. Caso no qual se exige a renuncia do cinismo que manejam na relação com amplos setores da população (que, aliás, igualmente ignoram o cuidado de si) e de que se valem para precárias legitimações.
As denúncias e processos por desvios de recursos públicos, aceitação de propinas, corrupção etc., envolvendo agentes políticos públicos (e filhos/as, esposos/as, amigos/as), nas nossas cidades, tornam possível pensar que os implicados desprezam o cuidado de si como obrigação primária, e que se requer em dobro do agente político público e da autoridade. Agentes políticos públicos que se envolvem em corrupção, contravenções penais, práticas de preconceito e discriminação, que são cúmplices ou praticantes de fraudes, irregularidades, que se aliam àqueles a quem deveriam criticar, entre outros exemplos, dão flagrantes demonstrações de que desprezam o cuidado de si ético-moral. Mentirosos, quando são flagrados nos descuidos de si, declaram que estão sendo injustamente perseguidos, que são inocentes (até prova contradizente).
Não se pode pensar a existência do agente político público sem a ética do cuidado de si. Não podemos permitir que cuidem de nossas vidas e cidades aqueles que não cuidam de si. Aquele que não cuida de si não pode cuidar da cidade.
Não que se trate de pensar que apenas os agentes políticos públicos têm a obrigação do cuidado de si. Se estes têm a obrigação em dobro, em razão de suas responsabilidades públicas, essa é uma obrigação de todos nós, como política de elaboração de si, elaboração de nossa existência individual e coletiva. O cuidado de si é exigência também para eleitores. Aqueles que (re)elegem denunciados e condenados em irregularidades, fraudes, corrupção etc. são praticantes do desprezo do cuidado de si, que é igualmente desprezo do cuidado da cidade/sociedade.
Nota final: em Michel Foucault, o tema do cuidado de si se volta para práticas críticas de reelaborações de nossas subjetividades, como efeitos que são das diversas imposições sociais. Portanto, práticas do cuidado de si e de aprimoramentos/estilizações da vida que se tornem superações dos efeitos de poder da ideologia, da alienação e da sujeição a normas e convenções sociais: superações de concepções, preconceitos, costumes, valores e mandatos que são interiorizados/adquiridos na educação social. No que se experimenta a possibilidade de resubjetivação como experiência de liberdade em relação a esses mesmos mandatos, costumes, valores. Que tal nossos chamados políticos iniciarem seus exercícios do cuidado de si?
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