PELA CIDADANIA PLENA
- Alipio DeSousa
- 27 de mar. de 2008
- 3 min de leitura
Alípio de Sousa Filho

No mundo ocidental, o termo cidadania tem uma origem antiga. Remete-nos aos gregos antigos. Para estes, a cidadania era a condição de todos aqueles que podiam desfrutar do direito de participar da vida política da cidade. Como veremos adiante, uma criação humana histórica que sempre esteve marcada de seu caráter de construção política e que nunca deixou de estar marcada pela natureza da sociedade na qual se inscreve, e já ao tempo dos gregos e romanos antigos.
Hoje, no nosso país, muito se fala de cidadania. Não raramente, vemos o termo estampado como slogan de governos municipais ou estaduais, assim como também se pode vê-lo utilizado por autoridades, políticos, partidos, organizações não-governamentais (Ongs), etc. Em muitos casos, usos que esvaziam o termo de seu sentido essencial. Para ficar apenas com um exemplo, a apropriação do termo cidadania por certos governantes, que o empregam como slogan de suas administrações, não passa de mero oportunismo político: palavra-moda – e sabendo-se de sua importância num país em que muitos direitos ainda estão por ser construídos – o termo vem sendo transformado em sinônimo de “dádiva” desses governantes em suas relações com a população. Isto é, o que é obrigação do Estado e direito do cidadão é transformado em “bondade”, “caridade”, “oferta” dos governantes.
Por um tal emprego do termo – e pelas práticas que são sua extensão! –, a cidadania deixa de ser tratada como uma condição político-social a que todos têm direito e ainda como conquista política e uma construção coletiva, passando a ser apresentada como uma concessão, um presente, um brinde daqueles que exercem o poder e apresentada também como uma virtualidade, sempre precária, pois dependente da vontade do poder, e nunca uma qualidade a ser ou que já é assegurada no Direito.
Outro fato – solidário com o anterior no esvaziamento do sentido da palavra –, a cidadania tem sido encarada como unicamente o acesso aos direitos básicos – o direito à alimentação, moradia, saúde, educação, transporte –, complementada por certos direitos civis e políticos. Em geral, são por esses direitos – básicos, mas óbvios – que as organizações, partidos, políticos se batem ou de que se valem os governantes para suas retóricas populistas. Mas, outros direitos, menos óbvios, têm ficado de fora do conceito de cidadania proposto por muitos, comprometendo a construção da cidadania plena no nosso país. O que está faltando nessa idéia atual de cidadania?
História velha, história que se repete. Voltemos aos gregos antigos. Em razão das estruturas sociais e de convenções morais vigentes, na Grécia antiga, era vedado à mulher, ao estrangeiro e ao escravo participarem da vida política da cidade. Dito de outro modo: mesmo tendo inventado as idéias de cidadania e de democracia – ao menos quanto ao Ocidente –, os gregos antigos deixavam de fora da cidadania amplos segmentos da sociedade. Hoje, em diversas sociedades, a história é a mesma.
No nosso país, amplos segmentos da população continuam excluídos da cidadania em razão de estruturas sociais e de meras convenções morais. As mulheres – apesar de todas as conquistas –, assim como homossexuais, negros, indígenas, portadores de deficiências físicas e pobres continuam a ser objeto de discriminações que os excluem da cidadania. Entre esses segmentos, uns mais que outros, em razão de preconceitos que fundamentam exclusões inaceitáveis.
Esvaziada de seu sentido essencial, pelas apropriações políticas oportunistas que a transformam em mera retórica, ou transformada em sinônimo de apenas alguns direitos ou ainda do direito para alguns e outros não, a cidadania se encontra atualmente confiscada e reduzida. Deixa, por isso, de ser a autêntica cidadania: o usufruto pleno por todos, sem distinções de qualquer natureza, dos diversos direitos concernentes à vida, à liberdade e à felicidade e não apenas acesso a direitos básicos óbvios. É essa idéia que devemos chamar de cidadania plena em conceito e em práticas, sem concessões aos preconceitos que transformam indivíduos dos segmentos sociais acima referidos em não-cidadãos ou cidadãos pela metade. A cidadania e a democracia não podem ser instituições que delas usufrua apenas uma parcela da sociedade – a mesma que, por razões econômicas ou por meras convenções culturais ou morais, desfruta dos benefícios de um direito restrito.
(Publicado em SOUSA FILHO, A. . Cidadania plena. Diário de Natal, Natal/RN, p. 2 - 2, 02 maio 2002.)
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