COMO TORNAR O RN MAIS SEGURO E MENOS VIOLENTO?
- Alipio DeSousa
- 12 de abr. de 2017
- 6 min de leitura
Alipio DeSousa Filho,
Cientista social, professor da UFRN

A pergunta proposta pela TN requer respostas que não simplifiquem os problemas, por si mesmos complexos, da chamada “violência” e das ações de segurança pública que se espera sejam adotadas pelo aparelho de Estado. No curto espaço de um texto para jornal, torna-se possível apontar apenas alguns aspectos e, por essa razão, selecionei alguns que considero, por agora, importantes.
Nos últimos anos, intensifica-se a ideia que, no Brasil, nossas cidades estão, cada vez mais, “violentas”. Uma ideia fortemente difundida pelas mídias e que a opinião popular reproduz como algo verdadeiro, sem qualquer outra informação que torne possível contextualizar, relativizar e compreender os “dados” dessa “violência”. Muito parecido com o que ocorre com as sensações térmicas do corpo com relação às temperaturas: a “violência” está em um certo grau, mas a “sensação de violência” é sentida pela população em um outro, sempre mais elevado. Evidente, a exageração e o sensacionalismo das mídias (sobretudo rádio e TV, mas hoje também as “notícias” de WhatsApp...) e da própria opinião popular, com mais o descaso e a ineficiência do próprio aparelho de Estado, são os agentes do aumento dessa “sensação de violência”.
Se tomarmos os casos de homicídio do RN, recentemente apresentados, não se pode tê-los como indicadores de uma violência no estado que estaria à solta, galopante, e que não tornaria mais a vida por aqui segura. A leitura dos dados de homicídios – excetuando pouquíssimos casos – permite enxergar claramente que sua maior parte envolve jovens e adultos de zonas periféricas da cidade de Natal e de outras cidades do estado que são personagens do comércio ilegal de drogas, envolvidos com facções do crime organizado em disputas pelo controle de territórios, aumento de seus “efetivos” e procura do aumento de seus recursos. Portanto, não envolvem as cidades por inteiro nem o conjunto de suas populações. Todavia, aparecem nas estatísticas engrossando o caldo dos sensacionalismos midiáticos e ajudando a elevar a “sensação de violência” generalizada. Os casos de furtos e assaltos a casas, comércios e pessoas são outros dados que também contam para a ideia do “crescimento da violência”, ajudando a produção de um pânico social geral com respeito à vida nas cidades e que igualmente ajudam à produção de imagens questionáveis como as que situam Natal como “a cidade mais violenta do Brasil” e como “a 10ª cidade mais violenta do mundo”. O que não é verdade!
Não se trata de dizer que os fatos não estão aí.... Estão e são mesmo fatos do fenômeno da criminalidade e violência nas nossas sociedades atualmente. Mas o modo como o aparelho de Estado e seus gestores (nossos governantes) têm abordado e enfrentado o problema não permite sequer baixar os números... que servem para a produção de todo tipo de imagem, representação, especulação, manipulação.
O plano de segurança pública apresentado recentemente pelo governo do RN traz algumas ideias importantes, mas muito do que pretende diz mais respeito à própria organização do aparelho do Estado local como tal que efetivamente concepções e políticas de segurança pública. Boa parte do que ali está expressa muito mais intenções de melhorar a organização, funcionamento e eficácia de um aparelho de Estado ainda hoje deficiente, sucateado, sem prédios, funcionários, diretrizes, formações adequadas. O plano apresentado é o retrato de um Estado correndo atrás de seu próprio atraso, de suas faltas, carências, ineficiência. Passados tantos anos, tudo que ali está, deveria já estar em funcionamento. Mas, ao que parece, as elites políticas, econômicas e sociais do RN que, desde a noite dos tempos, apropriaram-se das funções do aparelho de Estado, até aqui, governam a província como se capitania hereditária ainda fosse. E governam para seus interesses privados: interesses de classe, interesses de famílias, interesses pessoais.
Como se pretende um RN mais seguro e menos violento se não temos algumas destas coisas?
Nos bairros de nossas cidades, bibliotecas, áreas de lazer e teatros públicos para todos, que constituam lugares para a ocupação do tempo livre, para a criação, tornam-se espaços para a sublimação das pulsões agressivas de crianças, jovens e adultos.... Escolas públicas, equipadas com boas bibliotecas e espaços de lazer (mas que não sejam os arremedos dessas duas coisas, como hoje temos), com professores bem remunerados e bem formados, que se constituam em espaços de acolhimento, educação, formação, capaz de transformar a todos que ali passam em indivíduos com a disposição da convivência com o outro, em suas diferenças, e capazes de solucionar conflitos pelo uso da palavra e não pela violência...
Espaços públicos e atividades culturais alternativos, gratuitos ou a baixo preço, que torne possível sociabilidade e diversão, que concorram com o confinamento da população aos shoppings privados e suas praças de alimentação, cinemas, livrarias, restaurantes, todos a preços impagáveis (compatíveis apenas com salários de castas salariais como juízes; professores universitários; apaniguados da Corte: aqueles que vivem como sanguessugas do Estado, recebedores das remunerações dos chamados cargos comissionados...)
Policiamento de quarteirão (ostensivo e a pé) que funcione como inibitório de pequenos furtos, assaltos a comércio e pessoas, durante o dia, e policiamento motorizado na noite e na madrugada. Como adotado em diversos países e cidades do mundo, como, entre outros exemplos, apenas para situar nossos países aqui na América do Sul, Colômbia e Chile. Aliás, a Colômbia adotou a exitosa experiência do serviço militar obrigatório ser convertido em trabalho voluntário de policiamento ostensivo. O que poderia ser adotado também no Brasil. No RN, como em vários estados do país, não temos mais o policiamento a pé. Soldado nenhum põe mais o pé nas calçadas. De moto ou em carros, suas aparições e passagens relâmpagos não servem para nada. Quando muito, carregam policiais que, em uma ou outra circunstância, agem em espetáculos revoltantes contra negros, pobres, moradores das periferias, com farto autoritarismo, violência e absurdos constrangimentos e humilhações. Ou o Estado volta a utilizar o policiamento a pé nos quarteirões dos diversos bairros de nossas cidades, nos horários da manhã e tarde, ou continuarão a ocorrer os pequenos furtos e assaltos diários que alimentam a fantasia da população e das mídias de “cidades violentas”. Mas, ao que parece, fantasia que serve também às políticas do aparelho do Estado, como atualmente dirigido por nossos governantes, que priorizam a segurança repressiva ao invés de segurança pública preventiva. Aliás, porque a repressão causa a sensação (para a opinião popular) que o Estado funciona. Correr atrás de bandido (e por isso as motos e os carros: a metáfora é literalmente assumida nas ações), bater, prender, matar ou deixar matar tornaram-se as medidas nas quais a população acredita e espera que o Estado as adote, mas são também aquelas que o próprio aparelho de Estado faz funcionar para aparentar atuação. Quando este, em seu populismo repressivo, punitivo, abandona a segurança pública preventiva, como nas experiências do policiamento de quarteirão, das polícias comunitárias, ou nas ações que, nada tendo a ver com policiamento e repressão, tem a ver com produção de segurança pública porque tem a ver com a ação do Estado como promotor de espaços e ações que eduquem a todos para a vida em comum, vida da palavra e não da violência, mas o que só pode acontecer com um Estado que se preocupa com educação, cultura, lazer, artes, criação, sublimação das pulsões agressivas...
Polícia comunitária, de bairro, próxima da sociedade, da população, dos moradores... policiais que se integrem à vida de bairro... que não causam medo à população, mas que sejam agentes do Estado nos quais a população confia, sinta-se amparado, possa pedir informações, conversar, pedir opiniões... O que temos é uma polícia violenta, truculenta, policiais malformados, educados na ideologia repressiva e punitiva, segunda a qual a população é uma inimiga, é perigosa, abriga criminosos, e com a qual deve ter uma relação de desconfiança e vigilância. Uma ideologia que leva a ações criminosas praticadas pela própria polícia, isto é, a atos de violações de direitos a toda hora e em todas as partes (como nas violentas “batidas” policias) e que também leva ao adoecimento dos próprios policias (síndrome do pânico, depressões, compulsões etc.), estes que pagam o preço alto de serem transformados em soldados de uma guerra suja, perpetrada pelo aparelho de Estado, sem que estes mesmos soldados sejam dela beneficiários. Muitos sacrificando suas próprias vidas ou de parentes para realizarem ações concebidas por aqueles que nelas não se expõem, pois as concebem, mas não vão para o front da guerra. No Brasil, já se falou da “humanização do SUS”, o que achei sempre muito curioso, pois, por que se falar de “humanização” de um serviço público que, desde sempre, deveria ser “humanizado”, uma vez que feito por humanos para acolher humanos? Pois bem, no país das misérias de caráter e formação pessoal, nas misérias éticas, nas misérias de ilustração da sociedade e do Estado, e nas misérias dos agentes públicos estatais, é urgente também concebermos formação e ações para a humanização das policiais, humanização dos policiais, para a saúde mental e física deles e para a saúde mental e física da população.
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