BARBARIZAÇÃO DA POLÍTICA
- Alipio DeSousa
- 26 de mar. de 2008
- 3 min de leitura
Alípio de Sousa Filho
Professor do Departamento de Ciências Sociais da UFRN

As recentes denúncias envolvendo vereadores da Câmara Municipal de Natal não diferem em nada dos acontecimentos que se desenrolam atualmente no Senado e dos fatos que, anos antes, ocorreram na Câmara Federal, bem como não diferem dos diversos casos denunciados de prefeitos e governadores envolvidos em corrupção, improbidade etc. Diferenças de detalhes que importam pouco, outros personagens, outros cenários, mas o que vemos ocorrer agora, na nossa cidade, é mais uma expressão de um dos ingredientes que, até aqui, tem tristemente constituído a esfera política no nosso país: ausência da ética orientada para fins coletivos e universalistas na ação de certos homens e mulheres públicos.
O caso é o mesmo: a barbarização da política por gente inescrupulosa, mentirosa, cínica, que age no parlamento ou no poder executivo para benefício próprio, sem limites para apetites e ambições, e por meio de qualquer método. Desprezando o êthos do bom-representante e do bom-governante, trata-se de uma gente que, por todo o país, age com impostura, usurpando funções sociais públicas que merecem ser ocupadas com autenticidade e honradez por outros. Homens e mulheres que não são dignos de permanecer nos cargos que ocupam, pois não agem para o bem coletivo e para a excelência da ação político-moral pública, para cujo exercício se candidatam e prometem representar e governar a sociedade. Porém, como se pode constatar, muito mais por desfaçatez que por verdade.
Em tudo isso, há que se considerar, todavia, a cumplicidade da sociedade, sua acomodação. Nenhum dos envolvidos nas denúncias, nos diversos estados e casos, ocupa as funções políticas pela força, mas por eleições. Impostores, ladrões, criminosos, mentirosos elegem-se e reelegem-se facilmente nas pequenas e grandes cidades do país. Se a população não se põe a refletir sobre as escolhas que realiza, não há do que reclamar. Uma parte dela (com maior ou menor consciência de fazê-lo) mesmo se compraz nas repugnantes relações do mundo político no qual toma parte como ator importante.
Lamentavelmente, em tempos recentes, na crise enfrentada no primeiro mandato do governo Lula, aumentando a barbarização da política, intelectuais e políticos de esquerda, tentando justificar o injustificável, formularam idéias estranhas segundo as quais não se pode reclamar ética na política. E curiosamente, convergindo para o senso comum social, soltaram afirmações que naturalizavam a ideologia da política como a arte do ardil, a arte do jogo cínico e mesmo da barganha (econômica ou política) descarada. Que estes teriam a dizer agora sobre os fatos na Câmara Municipal de Natal? E é estranho que gente que antes afirmou que o caso conhecido como mensalão na Câmara Federal era uma “invenção da mídia” ou que fica de boca fechada no caso Renan Calheiros, agora faça a crítica do que ocorre na Câmara Municipal. Impostura intelectual e política da mesma ordem da impostura ética de vereadores, deputados, senadores e governantes do país.
Não se transformará a esfera da política brasileira enquanto perdurar a inautencidade das declarações e das práticas de políticos, intelectuais, movimentos sociais e é preciso de todos atitudes compatíveis com a verdade, com a ação éticomoral reta, sem o uso da artimanha, do oportunismo, do cinismo, dos estratagemas naturalizados e canonizados como próprios da política. Práticas que, não podendo ser naturalizadas como próprias do campo político, devem ser afastadas e combatidas, antes que se acabem todas as possibilidades e esperanças nos exercícios autênticos da ação política pública no país. Cassação do mandato de todos os impostores e usurpadores das funções públicas, em Natal e em Brasília!
Editorial – Diário de Natal – 24 de julho 2007
Professor do Departamento de Ciências Sociais da UFRN, Alípio de Sousa Filho escreveu artigo domingo passado em O Poti em que chama de barbarização o momento político por que passa o país, aí incluindo, evidentemente, Natal, com seu exemplo mais recente, ou seja, a denúncia de envolvimento de vereadores da capital num esquema de propina. Na opinião dele, há uma ausência da ética voltada para os fins coletivos. A importância de reflexões como a feita pelo professor Alípio Filho está no fato de pôr o assunto constantemente em debate. Sem escarafunchá-lo, sem expor as feridas e as mazelas da política nacional, a tendência, como se tem visto, é que estas denúncias se espalhem como num mar (de lama?) e tornem-se comum à vista de todos. Não pode. É uma barbarização que precisa ter fim.
Publicado em SOUSA FILHO, A. . Barbarização da política. Diário de Natal/O Poti, Natal, 22 jul. 2007.
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